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A Relação entre Irmãos com e sem Deficiência

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Acho que ninguém que tenha irmãos vai negar o fato de que a relação entre eles, por uma série de questões, naturalmente já tem os seus conflitos. Mas e quando um dos filhos nasce com uma deficiência e acaba exigindo, mesmo que involuntariamente, uma maior atenção e cuidados por parte dos pais?

A Relação entre Irmãos com e sem Deficiência

Quando a relação entre os pais é boa, é comum que eles dividam as tarefas e deem um jeito de conciliar os cuidados com todos, de maneira integral. 


Mas em alguns casos, como aconteceu lá em casa, comigo e com as minhas irmãs, meu pai ficou mais a cargo dos cuidados da minha irmã mais velha, e minha mãe, de mim e da minha irmã caçula, ambas com deficiência.

Isso deixava claro que custava a meu pai encarar que tinha duas filhas com deficiência. Inicialmente, essa dificuldade acabou criando uma inevitável diferença entre nós: entre mim e minha irmã mais velha (4 anos de diferença), já que eu e a caçula tínhamos vivências bastante parecidas, além da menor diferença de idade (apenas 2 anos), o que contribuiu para nos aproximarmos.


Eu me lembro que por várias vezes vi o meu pai saindo de casa com a minha irmã mais velha para altos rolês, e eu ficava pensando:

— Por que era sempre com ela?

Ela era a preferida porque não tinha nenhuma deficiência e, consequentemente, dava menos trabalho, afinal, não era preciso montar cadeira, desmontar cadeira, colocar no carro, tirar do carro, andar com sonda, fralda e o escambau. 

Que responsabilidade eu tinha e por que ele achava que eu merecia ser tratada de maneira diferente? Que culpa eu tinha por ter nascido com uma deficiência?

Por muitos anos tive uma relação bastante complicada com a minha irmã mais velha, pois achava que ela era, em parte, responsável por eu e minha irmã mais nova não termos a atenção que merecíamos por parte do meu pai.

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Em contrapartida, não posso dizer com certeza, mas imagino que coisas semelhantes se passavam pela cabeça da minha irmã, já que minha mãe acabava passando muito tempo dedicada a mim e a minha irmã mais nova, entre cirurgias, cuidados diários, fisioterapia e afins. 


E mesmo quando a mais velha era incluída, essa inclusão queria dizer que, se ela fosse junto, acabaria ajudando a minha mãe nos cuidados com a gente, de alguma forma, o que pra ela deveria ser um saco.

Levei muitos anos e precisei – às vezes ainda preciso – de muita terapia pra assimilar que, na verdade, nada disso era culpa dela. 

Na verdade, embora as coisas tenham sido distribuídas dessa maneira, quando eu e minha irmã nascemos, para o meu pai foi extremamente cômodo manter as coisas desse jeito, ao longo dos anos; assim ele podia se dedicar a minha irmã mais velha e deixar todas as questões referentes a nossa deficiência a cargo da minha mãe.

Isso facilitaria e muito as coisas pra ele, já que ele não precisava lidar com algo que o incomodava tanto: a dificuldade de aceitar e lidar, no dia a dia, com o fato de que ele tem duas filhas com deficiência que falharam em corresponder às suas expectativas – que, aliás, são bem altas. 


Ele vive exigindo perfeição dos outros, o que talvez seja um reflexo do fato de ter que conviver diariamente com duas filhas imperfeitas aos olhos dele e da sociedade.

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Me lembro com nitidez que um dos divisores de água da nossa relação, na minha opinião, foi o fato da minha irmã mais velha ter sido aprovada na Unesp de Marília. Isso fez com que, de uma hora pra outra, ela precisasse mudar de cidade.

Lembro de ter dito pra ela ir de uma vez, e ela me respondeu que iria mesmo e que talvez nem voltasse. Naquele momento, aquilo me gerou uma sensação de satisfação, pois eu achava que, com ela longe, meu pai finalmente olharia pra mim e me veria como realmente sou. 


Assim que ela se mudou, eu percebi que minhas questões com o meu pai nada tinham a ver com ela, mas sim com ele, e senti uma falta enorme da presença dela; ficava super ansiosa a cada feriado prolongado que eu sabia que ela estaria em casa, mesmo que por pouco tempo. 

Fiquei muito feliz quando ela, finalmente, voltou de vez e casada com um cara gente fina pra caramba! Ainda hoje, em algumas ocasiões, fico mal de ver o quanto meu pai ainda não consegue lidar com os fatos – coisa que, apesar da terapia, em certas situações ainda me machuca bastante. 

Ele faz questão não só de manter a diferença de tratamento entre a gente, mas de esfregar essa diferença na nossa cara sempre que tem uma oportunidade, deixando claro que existe, sim, uma filha preferida por ele.


Embora, socialmente, agora que somos adultas, ele jamais deixe essa diferenciação aparecer para as outras pessoas e, às vezes, até faça algum esforço para parecer um pai amoroso e dedicado para as filhas com deficiência.

Hoje, enquanto pessoa adulta que sou, aprendi a separar as coisas e tenho uma excelente relação com a minha irmã mais velha, ainda que sejamos pessoas bastante diferentes e, em parte, isso provavelmente aconteceu porque apesar de termos nascido na mesma família e termos acesso às mesmas coisas, o fato de ter uma deficiência fez com que eu acabasse passando por situações que ela, por não ter uma deficiência, não precisou, e vice-versa.

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Renata Gonçalves
Tenho Mielomeningocele nível lombar baixo, uma malformação congênita também conhecida como Espinha Bífida. Sou formada em Letras Português-Espanhol com formação em Preparação e Revisão de Textos.

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11 Comentários

  1. A relação familiar é sempre complicada, ainda mais quando temos a sensação de predileção a determinado irmão. Muito barra... Parabéns pelo texto!

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    1. Sim, relações familiares, em geral, são bastante complexas mesmo. Muito obrigado pelo carinho.

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  2. A relação familiar é sempre complicada, ainda mais quando temos a sensação de predileção a determinado irmão. Muito barra... Parabéns pelo texto!

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  3. Obrigada, Re! Sempre muito bom aprender com você.

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  4. Adorei o texto... Você é uma guerreira e está evoluindo a cada dia. Que Deus abençoe sempre você, suas irmãs, sua mãe e o seu pai (ele está aprendendo). Nada nessa vida é por um acaso. Você é demais 😍 Parabéns 🙏👏🏻😘

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    1. Obrigado pelas palavras tão carinhosas. Embora nem sempre seja simples, procuro pensar dessa forma, que ele está aprendendo, acho que torna as coisas mais fáceis de lidar de alguma forma.

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  5. Boa noite Rê! infelizmente as pessoas só podem oferecer o que tem, talvez essa cobrança de perfeição que seu pai tanto gosta, seja somente a imperfeição que ele vê nele mesmo!

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    1. Olá,
      Pode ser isso sim, já pensei nisso e acho que você tem toda razão.

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  6. Ótimo texto Renata! Muitas situações geram muito sofrimento, por isso é muito importante mudarmos o nosso ângulo de visão frente a mesma situação e você vem fazendo isto em cada fase da sua vida com relação à este tema conforme relatou no texto. Parabéns! (Priscila)

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  7. Muito obrigada Pri, pode ter certeza de que você tem contribuído muito pra esse processo.

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